Os mantos de Nossa Senhora de Nazaré

Segundo a narrativa mítica, que conta a origem do Círio, a imagem achada por Plácido no ano de 1700, em Belém, estava adornada por um manto “azul brilhante com gotas de orvalho”. Entretanto, pesquisadores divergem sobre o fato dessa imagem estar ou não portando um manto no momento em que foi encontrada por seu descobridor, alguns afirmam que sim, enquanto outros que não. Porém, tudo leva a crer, que se trata de um costume antigo, a se julgar pelo registro dos primeiros cartazes e representações de Nossa Senhora de Nazaré, em que ela sempre aparece retratada com um manto. Por outro lado, diferentemente da sofisticação dos dias atuais, registros históricos dão conta que os primeiros mantos eram maiores que a imagem, e tinham até anágua. Segundo Mizar Bonna, que chegou a desenhar 12 peças usadas no Círio, o manto teria ganhado um formato triangular perfeito e armado apenas em 1953, durante o VI Congresso Eucarístico Nacional realizado em Belém, ocasião em que Nossa Senhora de Nazaré recebeu a Coroa Pontifícia, e a imagem original recebeu um manto de cetim branco, bordado a ouro e pedras preciosas desenhado pela estilista Vivi Martins.

A partir disso, este se tornou o único manto que veste a imagem original, contudo, ao longo dos anos, inúmeros mantos passaram a ser confeccionados para adornar a imagem peregrina que sai nas procissões do Círio de Nazaré. De acordo com a historiadora Rosa Arraes, inicialmente o manto não era confeccionado todos os anos, em função do seu alto custo financeiro, por este motivo a imagem usava o mesmo manto por um determinado tempo. Esta situação teria mudado, quando a irmã Alexandra, da Congregação das Filhas de Sant’Ana, do Colégio Gentil Bittencourt, dedicou-se a confeccionar um manto a cada ano, custeado por fieis promesseiros. Foi assim até a sua morte no ano de 1973, depois disso, quem assumiu esta tarefa foi a sua ajudante, Esther Paes França, e posteriormente, ao longo dos anos, vários estilistas e artesãos católicos vêm assumindo a missão de desenhar e confeccionar os mantos de Nossa Senhora. A partir de 1990, a feitura dos mantos foi se tornando cada vez mais sofisticada e as antigas peças tecidas com linha de costura permeada por bordados foram, aos poucos, sendo substituídas por mantos com fios de ouro, miçangas e pedras preciosas, tornando o manto que veste a imagem peregrina em uma verdadeira joia. O fato é que a tradição do manto foi mantida, e este tornou-se um dos símbolos mais tradicionais do Círio de Nazaré em Belém, tanto que todos os anos, a imagem da Santa é vestida com um manto diferente, que é mantido em segredo até a Missa de Apresentação, que é celebrada pelo Arcebispo de Belém, na segunda quinta-feira do mês de outubro, sendo um dos momentos mais aguardados pelos devotos, quando terão a oportunidade de conhecer pela primeira vez o manto que irá para envolver a Imagem Peregrina durante a Festividade do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, especialmente nas procissões que compõem essa manifestação religiosa, cujo ápice é a grande Romaria, que ocorre no segundo domingo de outubro, também chamado de Círio propriamente dito.

No ano de 2012, foi realizado um trabalho de restauração de diversos mantos de edições de Círios anteriores, que ficam em exposição permanente no espaço Memória do Círio, no Centro Social de Nazaré. Tanto antigamente, quanto nos dias atuais, os nomes dos doadores que irão custear o manto são mantidos em segredo e, da mesma forma, esta doação é feita como pagamento por uma graça alcançada por meio da Virgem. O casal coordenador da Diretoria do Círio, com o aval do Arcebispo, convida dois estilistas, que devem ser paraenses, para realizar esta tarefa em parceria, sendo que, um deles fica responsável pelo desenho, enquanto outro pela execução da peça. A única exceção em relação à exigência de os estilistas escolhidos serem paraenses ocorreu no Círio de 1998, quando foi doado um manto de Santa Catarina, desenhado e confeccionado pelo estilista Gesony Pawllick.

Mesmo assim, este só foi utilizado na procissão da Trasladação. Isto fez, com que neste ano a Imagem Peregrina tivesse dois mantos, pois no dia seguinte, o da grande Romaria do Círio, ela percorreu vestida com outro manto, desenhado e confeccionado por paraenses, mantendo-se assim esta tradição. O desenho deve se basear no tema do Círio, que é definido anualmente pelos diretores do evento, cuja temática central é religiosa. No entanto, sobretudo, na última década, ao manto tem sido incorporado além do tema religioso, aspectos da paisagem e da cultura amazônica. Após o desenho da peça ser aprovado pelo Arcebispo de Belém, o manto é confeccionado pelo estilista/executor escolhido, mas é um trabalho que envolve inúmeros artesãos e costureiros. Em sua maioria, o material utilizado na confecção dos mantos, são fios de ouro, pedras preciosas, permeado por bordados que adornam a pequena imagem com uma vestimenta luxuosa, equivalente à de uma rainha. Mas independente do requinte, publicidade e visibilidade que o manto de Nossa Senhora de Nazaré alcançou no Círio nos dias atuais, ao que tudo indica, seu significado para os fiéis permanece o mesmo, pois para estes, acima de tudo, o manto transmite e irradia fé, simbolizando a proteção e o amor da “Mãe Santíssima” pelos seus filhos. Por este motivo, aos olhos dos devotos, nada mais justo, que presenteá-la com um manto, como forma de agradecer pelas bênçãos concedidas pela sua misericordiosa e poderosa intercessão perante Deus.