A Grande Procissão

Oprimeiro Círio de Nazaré de Belém do Pará foi realizado em 1793, sob a iniciativa de Francisco de Souza Coutinho, governador do Pará. Preocupado em dinamizar a economia local Souza Coutinho instituiu uma feira agrícola e uma procissão com a imagem de Nossa Senhora de Nazaré. Para tal, escolheu o período em que os devotos costumavam se reunir na humilde palhoça em que um morador chamado Plácido guardava uma imagem da santa.

O Círio não se resume a uma procissão. Na verdade, são várias manifestações religiosas, culturais, artísticas, que ocorrem por mais de um mês na cidade de Belém. Esse conjunto de eventos recebe o nome de Festa de Nazaré. A expressão Círio é utilizada tanto para se referir a procissão principal, o “dia do Círio”, quanto para o conjunto de atividades realizadas entre agosto e outubro. Até o início do século XX, a Festa de Nazaré era organizada pela Irmandade de Nossa Senhora de Nazaré do Desterro, substituída, em 1910, pela Diretoria de Nazaré. O grande momento da festa é a procissão principal do Círio. Nos primeiros anos não havia uma data fixa para a procissão, que poderia ocorrer em setembro ou outubro. A partir de 1901, adotou-se o segundo domingo de outubro como data fixa. Até 1854, a procissão principal do Círio era realizada no horário da tarde, passando, a partir dessa data, a ser realizada pela manhã em função das chuvas que costumam cair em Belém nesse período.

Entre 1793 e 1882 a procissão principal do Círio saía do Palácio do Governo, passando a sair da Catedral da Sé a partir dessa última data. Tem início às 7 horas da manhã, em direção à Basílica Santuário de Nazaré. O elemento principal é a imagem de Nossa Senhora de Nazaré que teria sido encontrada por Plácido, razão pela qual é chamada de a “original”. Desde o século XVIII essa imagem adquiriu fama de realizar milagres, o que explica o grande número de pessoas na procissão, seja para fazer pedidos à santa, seja para agradecer por alguma graça que acreditam ter alcançado graças à sua intervenção. A imagem “original”, fica guardada no altar da Basílica Santuário. A que é conduzida nas ruas, desde 1967, é uma, chamada de “Imagem Peregrina”.

Durante a procissão, a imagem é conduzida em uma Berlinda, espécie de cocho antigo, enfeitada com flores. Para facilitar sua locomoção, introduziu-se no século XIX uma corda que, por estar amarrada à Berlinda, tornou-se um dos espaços mais disputados para o pagamento de promessas pelos devotos e exige muito esforço físico. Muitos devotos vão, ainda de madrugada, guardar seu lugar na corda e só a largam quando a procissão chega à Basílica Santuário de Nazaré, por volta de meio dia. Nos últimos anos, alguns devotos desenvolveram o hábito de cortar pedaços da corda antes que a Berlinda chegue a seu destino final, fato condenado pela Igreja e pela maioria dos devotos. Esses pedaços da corda são utilizados como símbolos de proteção, mas também ocorre de serem vendidos para turistas. Os organizadores do Círio condenam a presença de objetos cortantes durante a procissão, pois isso pode acarretar ferimentos aos devotos.

Por onde a Berlinda passa, vê-se essa cena: as pessoas que assistem a passagem da procissão estendem as mãos em direção à imagem da santa, pedindo proteção ou agradecendo por algum milagre alcançado. É um espetáculo emocionante! Uma das marcas do catolicismo popular no Brasil é a proximidade entre os devotos e os santos de sua devoção. Assim é com o devoto de Nossa Senhora de Nazaré, que se refere à santa como “Naza”, “Nazinha”, “Nazica” e a considera uma amiga protetora em seu dia a dia!

Ao longo da procissão principal do Círio de Nazaré podem-se ver vários carros, que formam as chamadas Alegorias. Entre eles, estão os que lembram importantes milagres atribuídos a santa, como o Carro do Caboclo Plácido, que lembra o momento do achado da imagem da santa e o Carro dos Milagres. Alguns carros alegóricos transportam crianças vestidas de anjos. Desde Portugal, Nossa Senhora de Nazaré é conhecida como a Rainha das Águas. Muitos milagres atribuídos a santa ocorreram em rios ou oceanos. Por essa razão, nota-se na procissão carros em formatos de barcos, representando milagres atribuídos à santa. Esses carros servem para receber os “ex-votos”, objetos que simbolizam os milagres alcançados pelos devotos, alguns feitos de cera simbolizando partes do corpo humano, além de casas de madeira, livros, entre outros.

Ao longo da procissão principal do Círio, é possível ver vendedores de brinquedos coloridos feitos de uma palmeira chamada miriti, material leve e maleável, com o qual os artesãos fazem réplicas de embarcações, pássaros, animais e casas. Muitos devotos compram esses brinquedos e os conduzem na procissão, como forma de pagar alguma promessa. Outros levam os brinquedos para casa, usando-os como objetos de decoração.

Uma das marcas principais do Círio de Nazaré, desde suas origens, é a forte participação popular. É uma festa do povo. Aqui e ali vê-se alguém carregando na cabeça um símbolo de sua promessa ou da graça alcançada. Aquele que pediu a ajuda da santa para conseguir sua casa própria, leva na cabeça a miniatura de uma casa ou um tijolo. O que conseguiu a cura de alguma doença, leva a miniatura de um pedaço do corpo humano. Outro conseguiu um ano de pescaria farta? Leva a miniatura de uma embarcação. Há aqueles que pagam sua promessa percorrendo longo trajeto de joelhos, com ajuda de amigos e familiares. Outros fazem pedidos de cura para amigos e parentes e vão pagar a promessa. Assim, o Círio de Nazaré revela as dificuldades e os sonhos de milhões de brasileiros.

Nos dias que antecedem o Círio de Nazaré pode-se perceber uma mudança no ânimo dos moradores de Belém: as pessoas se desejam “Feliz Círio” da mesma forma como se deseja “Feliz Natal”. Muitos consideram o Círio como “o Natal dos paraenses”. O clima é de festa e de solidariedade. São mais de 2 milhões de pessoas que vão às ruas para pedir paz, saúde, felicidade, harmonia, pessoas de diferentes cores, de diferentes credos religiosos. É essa energia festiva que toma conta de Belém todo segundo domingo de outubro durante a procissão principal do Círio de Nazaré.